Sobre o silêncio
O que nos incomoda no nosso mundo? A mim incomoda o que é consensualmente errado e não é corrigido. Incomoda o que é nitidamente possível, provavelmente muito positivo, mas por ter um custo qualquer, é ligeiramente descartado. Alguns temas merecem algumas linhas:
1. O começo de tudo passa pela democratização de uma educação de qualidade. O que seria isto? Pessoas incentivadas a pensar, criar, criticar, pesquisar, investigar, estudar, discutir, publicar e agir de acordo com suas consciências. Acredito que isto tornaria o mundo um lugar bem mais agradável. Melhoraria o funcionamento dos poderes, a consciência ecológica, a consciência humanitária, o conhecimento científico, o uso da tecnologia, as artes, as dicussões filosóficas, as tolerâncias religiosas, as famílias, as comunidades. A nossa educação nunca foi boa, mas acho difícil ter estado pior. Os professores são muitas vezes mal preparados, desestimulados. A História do Brasil é mal contada, as ciências são mal entendidas, o português é tido como supérfluo, a matemática é mal compreendida, quase não há filosofia, as artes são uma grande enrolação, não há música, os idiomas estrangeiros nunca são minimamente aprofundados, não temos noções de sociologia, direito, primeiros socorros, vigilância sanitária, programação de computadores, astronomia. Faltam laboratórios, atividades extra-classe e até esportes. Mas o pior de tudo é que mesmo a má educação que está hoje disponível, não está disponível para todos. Na maioria das escolas públicas há uma grande enrolação, onde quase ninguém está interessado em ensinar, onde os poucos que querem aprender têm que se virar. Ao governo que baniu a reprovação, interessam os números do fluxo de alunos, não o que aprendem de fato. Os professores não são valorizados, as escolas não têm uma estrutura adequada para absorverem tantos filhos de uma sociedade marginalizada. Os pais não sabem como colaborar, atrapalham. Apequenam-se, mal lêem, se lêem. Votam e são facilmente engabelados. Inviabilizam a democracia, são idiotas cada vez mais feitos idiotas, gerando idiotas, elegendo outros idiotas mais “espertos”, que caminham, separados por um vidro blindado, para a mesma ruína.
2. A televisão, o principal veículo de comunicação atualmente, é muito mais um meio de si mesma. Em linhas gerais: as emissoras de TV são financiadas pelos produtos que anunciam, estes vendem mais quando são mais anunciados a mais gente, ou seja, a uma maior audiência. Para ter audiência cada vez maior, é necessário atrair cada vez mais gente das classes mais baixas, que é mais populosa, e que têm, por diversos motivos, uma educação péssima. Logo, há uma tendência da TV ter programas cada vez mais voltados à população mais burra. O que é facilmente notado. Para tal, pode-se apelar à violência, à putaria, às fofocas, às emoções do tipo mãe que reencontra filho, às pregações religiosas, à música fácil e por último à propria TV. Cito como exemplo o Videoshow, que só existe para divulgar os bastidores da TV, ou seja, não comunica nada, não têm qualquer função dissociada da TV. A TV cria programas sem quaisquer objetivos que não o de entreter, aparentemente não há problemas nisso, mas no fundo, temos pessoas que poderiam estar contribuindo para um mundo melhor, mas simplesmente não o fazem, não porque estejam cansadas, em suas horas de folga quando é importante um entretenimento, mas porque estão constantemente entretidas com o nada. A MTV é outra que existe porque produz músicos e bandas para que a MTV exista, e assim segue. O apelo à imagem é o que vende, seja a imagem do que for. Obviamente temos também telespectadores da classe alta, que interessam às TVs porque possuem poder aquisitivo alto e compram o que é anunciado, sobretudo carros e uísques. Estes, por não poderem ser tão idiotas, são ainda o que fazem com que existam telejornais com notícias sobre política, economia, ciência etc. Qualquer outro meio de comunicação, seja jornal, revista, rádio ou internet, atingem bem menos gente, e, ainda assim, talvez em menor escala, a depender do público alvo, obedecem aos mesmos príncípios que a TV. Isto não está certo.
3. Tudo o que é mais abstrato, artes, filosofias, matemática é antipático. E não só é antipático à massa burra que não sabe ler, que não sabe o que é ler um livro, que não teve acesso a uma educação melhor. Tente falar de um filósofo em uma mesa entre amigos... Tá, não sejamos chatos, tentemos presentear um amigo com um livro de filosofia... Dê-lhe três anos, e depois veja o quanto ele leu. Levante um comentário sobre a segunda lei da termodinâmica, mesmo com uma linguagem simplória, com qualquer colega de trabalho. Não exagere, fale sobre um pianista, um compositor clássico, um pintor... Você será certamente percebido como metido, louco ou gênio (logo, louco também). Matemática, Lógica, Estatística fudeu!!! Excetuando-se o caso de dois estudiosos de exatas conversando em um recinto apropriado...Isto não é conversa. Você não faz parte deste mundo, ou precisa de um médico psiquiatra. Isto é uma merda... Ninguém tolera nem um pouco nada que dê um trabalhinho pra pensar, sentir, perceber... tudo tem que ser automaticamente rizível ou chorável, dançante, entorpecente, lucrativo, tem que estar na moda ou na “boca do povo”. Ser intelectual significa ser ininteligível, elitista, desgarrado da realidade, incapaz de se divertir como uma pessoa normal. O adjetivo “intelectualizado” muitas vezes pode ser traduzido como maçante, pedante, chato ou prolixo, e além do mais, totalmente inútil. Um papo, um filme, um programa “cabeça” é uma coisa que algumas poucas pessoas “normais” podem tolerar, se, e somente se, a freqüência seja, digamos, 60 vezes menor que a freqüência de papos, filmes e programas “não-cabeça”. Isto não é muito bom também... sobretudo nas classes mais altas, que tiveram melhor educação. Penso que deveriam gostar da educação que tiveram, deveriam explorá-la, valorizá-la, apreciá-la, afinal, são privilegiados os que tiveram uma formação suficiente para adentrar no mundo dos assuntos menos superficiais, diretos e objetivos.
4. Toda crítica é levada para o lado pessoal – Não se pode corrigir o portugüês de ninguém sem soar desagradável. No trabalho, se você repreende é poque quer fuder alguém. Dizer que a roupa de alguém é feia é dizer que quer que a pessoa vá se fuder. Algumas vezes o simples fato de discordar pode fazer com que alguns laços interpessoais sejam quebrados. Não falo de valores realmente relevantes, mas de opiniões que devem mesmo ser divergentes... muito cuidado, porque criticar é um ato de ódio.... Se um professor chega a um aluno e diz que o seu trabalho não está satisfatório, provavelmente será interpretado como “ele não gosta de mim”, “ele quer botar pra fuder em mim”, e por aí vai. Falar que Lula faz merda significa que você é de direita, falar que FHC fez merda significa que você é de esquerda... não existe perdão para a crítica. Toda e qualquer crítica será elevada à sua máxima potência. Conseqüência disto: temos que ser ultra-tolerantes com tudo e com todos que não queremos afastar. Temos que tolerar os erros de portugüês do colega, a falta de educação do vizinho, a ignorância do chefe, o fedor, o mau-gosto, a lerdeza, a frescura, a “sem vergonhice”, a cara-de-pau, a desonestidade... tudo. Se gostamos de alguém ou algo e não queremos acabar com a relação, criar inimizades, temos que ser tolerantes. Isto é uma merda.
5. O relativismo faz tudo eqüivaler, quando as coisas não são bem assim. O relativismo cultural não pode servir de pretexto para que uma tribo, grupo ou civilização saia tolhendo o direito à educação ou à informação das pessoas. Nenhuma dor deveria ser compulsória a ninguém, a não ser em casos de saúde (vacinas, cirurgias em bebês, etc.). Não deveríamos legitimar a violência por que “fazem parte de uma outra cultura diferente e respeitar”, o mesmo se aplica aos danos ambientais. Tampouco deveríamos pôr numa mesma balança pessoas que mostram argumentos racionais, pautados em evidências e deduções lógicas e pessoas que tomam atitudes baseadas em crenças, tradições, revelações ou deliberações. A racionalidade e a lógica são universais. Até mesmo por achar que devemos respeitar todos os credos e todas as crenças, a tomada de decisões no que diz respeito à sociedade, às crianças, ao público, não devem ser baseadas nestas intituições, pois neste âmbito, cada um pode ter sua verdade... entre si, sim, há uma certa relativização. Mas a mesma não existe quando tomamos evidências e argumentos racionais. Vi um filósofo falando da relativização entre física quântica e espiritualismo, já que ambos falam sobre o invisível, por vezes até sobre o imaterial... Não, não equivalem. Enquanto a primeira vem de uma evolução racional, baseadas em experimentos, previsões estatisticamente acertadas e modelagem, não afirma mais do que pode afirmar, além de estar constantemente sendo passível de refutação... o segundo não é capaz de fazer uma previsão, não possui uma evidência aceitável, não suporta um teste estatístico qualquer... Também não acho que sociedades que respeitam os direitos humanos, que permitem a liberdade de expressão e de pensamento, de credo, e que pregue uma igualdade entre os indivíduos, não só perante a lei, mas também perante o acesso aos bens públicos, equivalham a sociedades que sobrevivem pelo uso do medo, da força, da religião, não dando aos indivíduos a liberdade de pensarem diferente, de se expressarem, de terem acesso à informação. Simplesmente não equivalem, não há relativismo cultural que me convença.
6. A sociedade organiza-se de modo a fazer com que tudo continue assim... Precisamos de no mínimo 8:00 de trabalho + atividades físicas + lazer + família. Parace que só será possível a alguém realizar um gesto realmente significativo para o mundo, se arriscar o seu bem-estar, se abdicar de seu físico, lazer, trabalho ou família. O pior é que as chances de um grande esforço dar em nada paracem ser grandes. Sim, sempre há a historinha do beija-flor que ao cuspir na chama da floresta está fazendo sua parte. Mas se cada um que doa uma hora por semana, um real por dia, ou sinmplesmente paga os impostos, achar que assim iremos mudar alguma coisa... bem, eu acho que não faz nem cócegas nos problemas sociais que enfrentamos. Minha impressão é de que se não há gente se esforçando mesmo, pra mudar alguma coisa, não veremos um mundo substancialmente melhor, nem nossos filhos ou netos. A nossa democracia está obnubilada, as desigualdades, a ignorância, a violência não dão o menor sinal de melhora. Esperaremos os governos? Há o que ser feito? Quem? Como? Quando? Será que nós, os educados, não deveríamos tomar a frentee e pelo menos sinalizar um interesse em discutir este asunto? Será que organizar ao menos uma discussão para saber se estamos fazendo a coisa certa seria tão trabalhoso que não valeria a pena? Parece-me que não.